The Last Detail 

Hal Ashby / 1973



Pois onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, Eu estou no meio deles.
(Mateus, 18, 20)

Aqui há três ou quatro Primaveras, num dos primeiros dias quentes e abafados de Abril, na sombra agradável do pátio interior da Espresso House, em Torshov, consultava eu uma dessas apps criadas para fomentar a amizade e a comunhão entre os povos (o Tinder), quando a mesma crashou. Será?, pensei. Não, não pode ser. Olhei desconfiado para o céu e sussurrei Please, God, let this be it, como o Jim no American Pie. Ainda incrédulo com a explicação automática e optimista que atribuí ao fenómeno, procurei por respostas no Google, que simpática e afirmativamente me acenou: era verdade, o excesso de utilizadores tinha sobrecarregado a app, que, incapaz de se manter de pé, desabou por uns breves minutos (como o servidor de Harvard no The Social Network). De lágrimas nos olhos, invadido por uma jubilante e incontrolável alegria, liguei de imediato ao Tomás para lhe comunicar a boa nova. Fui aconselhado por um advogado a não partilhar os precisos termos da nossa conversa, mas foi impossível não recordar este incidente ao ver a cena em que Meadows grita aos comparsas, «Hey, you guys. Drop your socks and grab your cocks. We’re going to a party.», no The Last Detail.

A FEP foi a nossa Marinha. O Plano B, o nosso pequeno Vietname. Uma década de absurda incapacidade para concretizar com sucesso a aparente abertura de miúdas interessadas, um sintoma evidente do nosso distúrbio pós-traumático (não chegamos a recorrer a ajuda). Mas, tirando um ou outro pormenor biográfico, foi fácil reconhecer na tripla Billy “Badass” Buddusky (Jack Nicholson), Richard “Mule” Mulhall (Otis Young) e Larry Meadows (Randy Quaid) o sentido de camaradagem e irmandade forjado em grandes frustrações que se seguiram a grandes esperanças, um traço comum em brothers in arms de discotecas de província e outras casas de má fama, rapazes que se fartaram de ir juntos a jogo, rapazes que se fartaram de perder (dire straits indeed).

The Last Detail é um characters movie – o realizador fornece um palco, liga as luzes, abre a cortina e desaparece, deixando os actores brilhar. (É uma qualidade menos apreciada do que devia.) E como eles brilham, os actores. Jack Nicholson, que já exibe do início ao fim aquela expressão lunática de quem está a fermentar uma ideia criminosa ou a um tropeção de um desarranjo nervoso, é o líder carismático do grupo, o douchebag que verbaliza o que os outros não se atreveriam a pensar, o Stifler que com a sua ousadia descarada coloca os companheiros num contexto onde pelo menos há a possibilidade de algo acontecer. (Algo inevitavelmente humilhante acontece.) Otis Young é aquele amigo responsável que no entanto não resiste a ir na onda quando intui que a recompensa pode valer o risco. Diríamos que é uma espécie de Oz: um coração simples, bem-intencionado, alguém que no fundo só procura uma míngua de generoso calor humano, um parêntesis de luz na disciplina severa da vida, um pouco de conforto e amor. Randy Quaid faz o papel de rookie, uma espécie de Jim, o virgem cuja mera ideia de contacto sexual tem o potencial de gerar uma crise de ejaculação precoce. Vítima do excesso de zelo da justiça militar, encontra genuína solidariedade e empatia onde menos espera: nos próprios carcereiros que o levam à prisão. O filme acompanha a evolução da dinâmica entre os três, da tolerância complacente à criação de um fortíssimo esprit de corps. Além de divertido a valer, The Last Detail é, por assim dizer, belíssimo na sua ingenuidade, aquela que encontramos na recriação de velhas brincadeiras com os amigos de sempre, por vezes na mera vocalização de uma alcunha, a alacridade que convoca memórias de uma antiga comunhão.

Em 2017, outro characters director por excelência (Richard Linklater) não resistiu a fazer uma sequela (não oficial). Em Last Flag Flying, a propósito de outra guerra e das suas consequências (a morte do filho de Larry no Iraque), assistimos ao comovente reencontro (trinta anos depois) de três homens que mal se conhecem. O filme foi muito criticado. As interpretações, dizem, são pouco genuínas, especialmente quando comparadas às do The Last Detail. Não é verdade. As interpretações não parecem genuínas por que são uma simulação, mas são uma simulação genuína de pessoas que eles foram. A simulação é afectada, mas não é falsa. É a tentativa de reactivar um esquecido mas genuíno afecto. O retomar pouco natural do velho gozo é o que desperta o seu sentido de camaradagem. Os homens já mal se conhecem, mas aquela experiência continua a uni-los. Como se fosse algo de sagrado. Como se fosse – e como gostaríamos de descobrir que o é – eterna.


Pedro Ramires