Sisters 

Brian de Palma / 1972



São inúmeras as curtas e as longas-metragens que documentam a vulnerabilidade tão peculiar da condição humana, e não faltam histórias sobre entusiasmos e desacertos amorosos. Mas quantos filmes nos fazem reavaliar o perigo que enfrentamos ao comprar um bolo de aniversário para uma mulher quase desconhecida? Pelo menos um.

Depois de um genérico de abertura forte, preparando o coração do espectador para o que acontecerá lá mais para a frente, Sisters arranca, num registo ligeiro, com um concurso de televisão em que um homem (Philip) ganha um convite duplo para jantar e dançar num dos melhores clubes de Nova Iorque, e uma mulher (Danielle) recebe um magnífico conjunto de talheres em aço. Tendo em conta a natureza dos prémios, seria difícil que a conversa entre os dois, terminado o programa, não se encaminhasse para a sedução. Ele tem a desculpa perfeita para convidá-la para jantar (um outro lugar na mesa), ela pode mostrar-se a companheira ideal (recebeu talheres novos). E é precisamente assim que a situação evolui, embora o repto e a observação espirituosa acabem por surgir do mesmo lado, pois Danielle Breton, para o bem e para o mal, conquanto o mal ainda demore, é uma mulher de urgências, com iniciativa.

A princípio, tudo corre às mil maravilhas, se exceptuarmos uma primeira aparição do ex-marido de Danielle: a conversa faz o seu caminho sem esforço, a música é quente, há olhares embevecidos. Insinua-se entre eles um segundo e animado capítulo. Ao preparar-se para deixar o clube, Philip percebe que a casa de Danielle não está ao virar da esquina, e que Nova Iorque é um conceito lato. Afinal ela mora em Staten Island, o que é mau para a logística do encontro mas óptimo para o romance e para o filme, que beneficia de um minuto poético no barco, enquanto Manhattan se vai encolhendo com a distância. A tormenta chegará, pressente-se. Mas não nessa noite, ensombrada apenas pelo reaparecimento do incansável ex-marido de Danielle, à porta do prédio; um episódio incapaz, contudo, de travar o nosso herói, que finta a situação com arte.

À noite de amor sucede, inevitável como a morte e os incêndios de verão, a manhã. Philip acorda bem disposto e Danielle fala-lhe da irmã gémea, do aniversário delas (fazem anos naquele dia), e incumbe-o de uma tarefa: ir à farmácia comprar uns comprimidos essenciais. Ele entusiasma-se e, antes de regressar ao apartamento, decide passar na pastelaria do bairro para lhe levar também um bolo. Um gesto admirável. Uma péssima opção de vida.

Sisters é uma homenagem a Hitchcock, um assalto festivo aos temas e às estratégias narrativas de filmes como Psycho (na forma como se serve do fantasma de uma relação familiar obsessiva), Janela Indiscreta (há uma vizinha que testemunha um crime), e A Corda (é perfeitamente possível entabular uma conversa amena na mesma divisão em que um cadáver foi escondido). Manifestando um notável descaramento nas citações, Brian de Palma escolheu ainda Bernard Herrmann - o compositor predilecto de Hitchcock, o maestro que parece afiar os instrumentos em vez de os afinar - para construir a banda sonora, uma das favoritas de Tarantino. Com tanta admiração explícita, não custa aventar a possibilidade de Brian de Palma, com trinta e dois anos na altura, ter decidido trincar mais cheeseburgers e sobremesas do que deveria, em busca da curva hitchcockiana perfeita para a sua barriga e para a sua sombra de perfil nas paredes do estúdio.

Apesar da aparente sofisticação de todas as referências, Sisters é um thriller com uma estética mais de videoclube do que de cinemateca. E, ao contrário de Psycho, que poderia ter terminado uns dois ou três minutos antes do seu fim, Sisters tem um bom desenlace, sem forçar o tom.

Brian de Palma leva a sério a brincadeira do cinema. Não é pouco.

Daniel Marques Pinto