Mektoub, My Love: Canto Uno

Abdellatif Kechiche / 2018



Mektoub, My Love: Canto Uno conta a trágica adolescência de um jovem da classe média, uma história de muito má memória e demasiado repetida. Desta vez, pelo menos, o facto de a vermos acontecer no ecrã desperta sentimentos nobres como a empatia e a solidariedade, em vez da tradicional inveja e ciúme.

O filme mostra-nos o que apostamos ser mais um frustrante Verão na vida de um jovem chamado Amin. Amin, que vive em Paris e tem ambições de se tornar fotógrafo, está de volta a casa, situada numa pequena cidade balnear do Midi, para desfrutar do Verão entre amigos. Elegante e belo, possui no entanto características psicológicas que, no contexto, constituem um obstáculo inultrapassável à boa vontade de miúdas exuberantes e cheias de luxúria, ansiosas por concretizar no Verão as possibilidades que a estação abre aos inomináveis prazeres do corpo: embora não o pareça, Amin é um jovem intelectual-artista, daqueles ensimesmados e profundos, de uma trágico-cómica seriedade e rigidez emocional, o que naturalmente afugenta todas as potenciais interessadas – ele quer partilhar as suas ideias, dar voz à sua sensibilidade, encontrar uma alma que reflita a sua, sempre com a melhor das intenções; but the girls, como canta a Cyndi Lauper, just wanna have fun.

O contexto do filme são as festas e os engates de Verão de Amin e do seu grupo de amigos; e, à primeira vista, a técnica de engate de Amin, por acaso, nem é má: quando se apanha sozinho com diferentes miúdas, conhecidas de última hora ou velhas ambições não esquecidas pela distância, ele salta capciosa e eficazmente da partilha do seu interesse por fotografia para uma muito suspeita – da perspetiva delas, e da nossa – vontade de as fotografar. De início, com mais ou menos relutância, as miúdas até se parecem mostrar disponíveis para irem na cantiga; mas depois descobrem que ele leva aquela conversa a sério – e o que parecia ser um jogo divertido e excitante revela-se afinal uma genuína e desinteressada vontade de fazer arte. O olhar não é lascivo, mas contemplativo. Que desilusão! Pior: que seca.

Naturalmente, com toda esta conversa fiada e tempo desperdiçado a ver filmes a preto e branco – a mãe, num justíssimo raspanete que provocou, em mim, uma reminiscência dolorosa, exorta-o a sair de casa, ir apanhar sol e dar atenção a quem dele outra coisa não espera – Amin perde as miúdas para personagens que vão directas ao assunto. Mas Amin não está para entrar nas seduções fáceis que a lubricidade à solta a todo o momento convida; e o voyeurismo do mirone é uma actividade que ele não procura, embora por vezes ela o encontre. Neste aspecto, os diversos close-ups que o realizador faz ao perturbador rabo de Ophélie (uma amiga que lhe interessa), parecem ser, para Amin, uma forma de realismo poético: C'eût été le temple de la Grèce / Pour qui j'eusse eu plus de dévotion. À boleia da Arte, o jovem procura o Amor. No Verão! Nas praias do mediterrâneo!

É sem surpresa que vemos o filme terminar com este desgraçado como primeira escolha para consolar uma pobre rapariga, vítima de um playboy que começa o filme fazendo de wingman do próprio Amin. Apostamos que este jovem bom e interessante lhe vai fazer o jantar e mostrar-se extremamente compreensivo; antes de a abraçar, se despedir, e ir para casa dormir – sozinho.

O naturalismo do cinema de Abdellatif Kechiche, onde os sentidos têm primazia sobre razão, o corpo sobre a mente, mostra-se estranhamente adequado para contar a história de uma inadequação, na qual a hilariante projecção da nossa memória – que torna hoje cómico o que foi então sentido como dramático – vai por vezes a par com a reanimação de velhos desejos – é a sua vez, leitor, de pensar nos seus.

Mal podemos esperar pelo intermezzo da trilogia, que será, certamente, de melhor sorte para Amin: para a sua casta, estes problemas costumam melhorar com a idade – a idade delas, e a nossa.


Pedro Ramires