Home Alone 

Chris Columbus / 1990



No verão de 2020, enquanto nos entregávamos a uma sesta na praia, Macaulay Culkin fez 40 anos redondos. A essa provocação, o mundo, mesmo empenhado noutros combates, reagiu com serenidade, prodigalizando, durante a semana das festas, as doses habituais e generosas de Sozinho em Casa, repetidas as vezes necessárias para que o homem se transformasse de novo num finguelas de camisola larga, abandonado à sua sorte. Não foi uma tarefa difícil porque o Natal funciona, em dois andamentos, como um vidro fosco e como uma fábrica de nostalgia. No presente, estamos apenas sentados a uma mesa comprida, a comer bacalhau e a falar alto. Só no futuro seremos felizes agora.

A popularidade de Sozinho em Casa é tão transversal que não há nenhuma criatura realmente viva que não associe o título a uma comédia leve, ideal para acompanhar a doçaria dos avós. Mas a verdade é que Sozinho em Casa poderia, sem forçar a nota, dar nome a uma ficção nórdica e taciturna, protagonizada por um lenhador ensimesmado, em vez de ser aquilo que no fundo é: a materialização do pesadelo mais recorrente entre os elementos da associação de famílias numerosas (deixar um catraio para trás).

Ninguém sabe muito bem o que faz de Sozinho em Casa um clássico, mas há pistas que ao centésimo visionamento parcial começam a surgir. Embora recorra a fórmulas muito pouco originais (crianças a comportarem-se como gente crescida, uma dupla de larápios desastrados, familiares desavindos que se reconciliam mesmo a tempo da consoada), os gags são, apesar de tudo, verosímeis e engraçados, e nas raras vezes em que as personagens se tornam bonecos (como da primeira ocasião em que o polícia-ladrão cruza olhares com Kevin), elas parecem conscientes da sua pequena subversão e artificialidade, exagerando os trejeitos para nos incluírem naquela fantasia, e não para nos convencerem de que a realidade pode ser divertida. A juntar a este catálogo de virtudes, Macaulay Culkin (40 anos) mostra-se solto e sem pressa em frente à câmara, para além de se revelar o mais brilhante de sempre na arte de levar as duas mãos à cara. O filme não vai longe na transgressão, mas também não é um filme certinho. Há até um Pai Natal apanhado a fumar.

Sem autonomia prática e emocional, e ainda a testar as diversas formas de fugir à tutela dos pais, ficar sozinha em casa é o maior medo e o maior desejo de uma criança. Da pessoa extremamente adulta também. Aqui está um filme para toda a família.

Daniel Marques Pinto