Bitter Moon 

Roman Polanski / 1992



Eles – Nigel (Hugh Grant) e Fiona (Kristin Thomas) – são um casal britânico todo preppy, decente, uptight. O único desafio à estabilidade da relação é o aborrecimento tricotado à socapa pelo tempo. Para celebrar e combater o seven-year-itch, embarcam num cruzeiro em busca do Oriente terapêutico; mas, durante a viagem, conhecerão Mimi – and she is no Julia Roberts.

Quem nos vai apresentar Mimi (Emmanuelle Seigner) é o seu aleijado marido, Oscar (Peter Coyote). Remetido a uma cadeira de rodas, de rosto cadavérico e gargalhada sinistra, Oscar é um farsante enlevado pela trip niilista a que viu a sua vida reduzida. Escritor falhado, he can’t write a book but he can talk one. Nigel será o seu ouvinte. A relação entre os dois é um jogo perverso: ao mesmo tempo uma advertência e um engodo. Mimi excita o tótó da city para lá do que ele pode controlar. A história de Oscar é uma cautionary tale: If there is pleasure, there must be pain.

Flashback e Oscar é um americano em Paris – cheio de pasta, que vai gotejando de uma herança – fascinado pela lost generation. Solitário, empilhava livros recusados quando esbarra em Mimi – uma jovem e voluptuosa empregada de mesa, com olhinhos de corça e gosto pela dança – no autocarro e sente algo brusco, primitivo, fresco. Um desafio, um pecado. Arrebatado, o artista de meia-idade rejuvenesce, sente-se vital outra vez. Os pombinhos caem um pelo outro – but this is no cinderella story.

Depois do kick inicial, prolongado com muito latex, collants, fantasias selvagens e sessões sado-maso, Oscar abre a porta e pede a Mimi para sair – da sua casa e da sua vida. Ela resiste. Ele insiste. É cruel. Desfeita a aliança, Oscar procura outros estímulos, todos os estímulos. Desafortunado, acaba no hospital e Mimi vê a oportunidade de voltar: não em solidariedade, mas para infligir um castigo. Amor e Ódio. Ressentimento e Vingança. Sentidos com maiúscula.

Nigel ouve a história absorvido e perplexo com a estranheza de modos de vida que tanto o repelem como atraem. Com os espectadores, porventura mais divertidos, acontece o mesmo: Roger Ebert escreveu que durante a projecção do filme you could hear a pin drop. Nigel fica perturbado. Eu próprio não evitei a gota de suor. O filme contém aquela irresistível e fatal atracção pelo abismo – a de quando caímos por uma mulher. A abjecção ocasional de Nigel recua perante o chiste de Oscar: Crawl back to your matrimonial tumb. Fiona, que não nasceu ontem, começa a desconfiar. Nigel mostra-se aluado, inquieto. Mimi sugere-se. Combinam uma hora. E depois, senhoras e senhores, assistiremos a um plot twist do arco-da-velha.

Festa de fim-de-ano. Nigel e Mimi dançam na pista enquanto Oscar observa. Nigel, perdido de amores, confessa-se a Mimi, julgando que Fiona dorme, sossegada, no quarto. Mas Mimi aponta para Fiona – e agora vemos esta falando com Oscar, bebendo champanhe, assistindo ao espectáculo na primeira fila. Nigel, embaraçado, aproxima-se.

Nigel: Darling, do you think it’s safe to drink on an empty stomach?
Fiona: Who wants to be safe? Living dangerous tonight.

That’s the spirit, Fiona – comemora Oscar. Polanski plays Slave to Love. Fiona despede-se dos dois e dirige-se à pista onde inicia uma provocatória dança com Mimi. As duas deixam-se levar, ousadas, pelo erotismo da música de Bryan Ferry. The Sky is burning / A sea of Flame. Enroscam-se, beijam-se. Nigel olha boquiaberto, derrotado. O espectador, atónito, não evita o aplauso. Oscar, na pândega, atira: Maybe your wife would have been a better bet. A história de Oscar e Mimi terá um final macabro, mas Nigel e Fiona tiveram direito à sua terapia.

O filme é extasiante como de outro não me lembro igual: a nossa pulsação sobe e desce como a de um adolescente num bar de strip. E sabermos que Emmanuelle Seigner (Mimi) já era a esposa de Roman Polanski (ainda hoje são casados) aquando do filme dá uma ideia do genial manipulador e depravado gozão que é o polaco. Ela, Hugo Grant e Peter Coyote fazem o papel de uma vida. Chapeau!

Pedro Ramires